o gato dormitava no parapeito da janela, indiferente ao passar do tempo, suavemente adormecido pelo calor do sol que, perguiçosamente, se deita ao longe.
\n\n\no homem suspira ao acabar de ler mais um livro e, vagarosamente, desce a longa escada em espiral até à biblioteca. faz este percurso várias vezes ao dia, entre a troca constante de temas de leitura e a vigia lá no topo.
\n\n\nporém, nem sempre assim foi, os dias eram ocupados com decisões que influenciariam a vida de milhares de pessoas, e as noites... bom, essas tinham mais vida própria do que alguém poderia um dia imaginar.
\n\n\na vida passou-lhe num instante e um dia, ao ver um por do sol, ele tomou a sua decisão, largar tudo e começar a viver de facto a sua vida. passou a ter tempo para decidir o que fazer e como o fazer sem ter que satisfazer algum idiota qualquer.
\n\n\no mar foi a grande inspiração, o espaço aberto o chamariz para o descanso e o farol a garantia do isolamento. as gaivotas passaram a ser a sua companhia preferida, juntamente com o lucas, o gato pachorrento que dormia o dia todo, apenas mudando de poiso ao sabor do sol.
\n\n\no frenesim do lufa-lufa de antigamente desapareceu passado dois meses após ter chegado ao farol. e o estranho é que só notou que na verdade não sentia falta da 'pressa de viver do antigamente'.
\n\n\nos dias agora passam sem pressa, o jardim cresce pachorrentamente e uma vez por semana o correio passa perto e deixa alguns vestigios da existencia de outras vidas numa caixa perto dali.
\n\n\nnão tem computador, nao tem internet nem telefone móvel. na verdade nada disso lhe faz falta, apenas o mar o alimenta de tudo o que precisa. comunicar com outros membros da sua espécie já não faz grande sentido.
\n\n\na vila mais proxima fica a uma exasperante hora de distancia, mesmo no seu decrépito carro e ele evita-a, as pessoas fazem demasiadas perguntas, querem saber da vida de todos, como se a deles não lhes chegasse.
\n\n\nele nunca entendeu a sede insaciável que algumas pessoas teem pela vida do alheio, será a falta de algo importante ou relevante ou mesmo uma cuscuvelhice crónica que os impele para a descoberta de algo de novo, algo que as faça ter protagonismo por saber algo do desconhecimento dos outros?
\n\n\ncom a dificuldade em entender tudo isto, ele agradeçe ter poucos os motivos para lá ir, nao fosse a necessidade de comprar algo que não cresce no quintal...
\n\n\no 'trabalho' que tem que fazer é simples, manter a lampada ligada de noite. o seu uso para a navegação é pouco, já que ao redor não há baixios perigosos nem penhascos que possam apanhar marinheiros de surpresa. mas num pais de grandes navegantes, um farol a brilhar no escuro faz sempre bem à alma, mesmo com os auxiliares da navegação a tornarem tudo mais seguro.
\n\n\no isolamento trouxe-lhe aquilo que nunca teve, paz de espirito. e serviu para provar a teoria de que algumas pessoas nasceram para serem solitarias.
\n\n\n(assim como eu, pensou o Lucas).\n(C) 2007 Luis Correia
(Leia o post original aqui:[o farol])
Sem comentários:
Enviar um comentário